Saturday, November 21, 2009

O fim da Ferrari...

Se fue...

Este pode ser um livro à parte. Com base na dificuldade de comprar e emplacar a Ferrari em 2007, já deveríamos saber que não seria fácil se desfazer dela...

Tudo começou com o pagamento das multas que eu achava que não “levava”. Levei várias, principalmente no começo quando não sabia onde podia ou não estacionar. Via um monte de carros estacionados em um lugar, e estacionava também. Na volta, todos (inclusive o meu) estavam multados! ☺ No total eram 6 multas (acho que 4 de estacionamento no mesmo mês, e 2 de velocidade), e o preço: 1200 RMB (R$ 305). O sistema é de impressionar. Vou colocar um vídeo sobre o cara mostrando no computador todas as fotos do meu carro estacionado em um lugar proibido ou do radar de velocidade. Animal! Não tem nem o que falar...

Finalmente fomos com o comprador (nossos anfitriões destas últimas semanas) e com todos os documentos que eu já tive do carro (e com o aval da experiente secretária da embaixada que confirmou tudo o que eu precisaria) iniciar o processo. Chegando no primeiro lugar, um mercado de carros usados, logo escolhemos a moça que cobra 50 RMB (R$ 13) para nos ajudar. É um serviço necessário caso não se queira passar dois dias entre filas.

Ela checa os documentos e fala que falta uma cópia X da nota fiscal do carro. Eu só tenho a terceira via, e precisamos da primeira. Explico que tudo que já tive do carro estava no envelope nas mãos dela. Depois de umas ligações para a secretária da embaixada e algumas discussões, nossa “ajudante” conta que podemos emitir (ou comprar, sei lá) outra primeira via. O preço: 900 RMB (R$ 230). Considerando que eu sempre tive os papéis super bem organizados, que não lembro de ter tido o que ela quer, e que nossa mudança já estava a caminho da Austrália (portanto o que não está comigo hoje, só verei em janeiro de 2010), achei que o melhor caminho era pagar. Sem contar que nosso comprador está tirando um dia de folga para fazer isso, não posso pedir que tire outro.

Aí começa a aventura. Vamos para um segundo lugar, em uma rua movimentada, e com várias oficinas mecânicas, uma do lado do outro. A ajudante nos leva no meio de uma vielinha (no Brasil eu já estaria em pânico) para um quartinho em cima de um dos mecânicos. É o exemplo máximo do capitalismo: redução de custos ao extremo! A empresa trambiqueira (e que me provem o contrário) é um quarto de 4m x 4m. Congelado. Dentro tem uma cama (imagino que onde dorme o dono da “empresa”) e uma mesa com um computador (=A empresa). Dentro, 3 pessoas. Somos outras 4. Nos organizamos dentro do espaço e cada um encontra sua posição, uns em cima da cama, outros nas cadeiras na frente do computador e outros em pé. Bizarro!

A chinesa da “empresa” começa a conversar com a nossa ajudante, e eu entendendo que ela fala que primeiro temos que pagar os impostos. Por ser um carro diplomático, tivemos isenção de imposto quando compramos. Agora, vendendo para um reles mortal, os impostos têm que ser pagos. Já sabíamos disso, mas a secretária da embaixada disse que era depois. Coloco ela no telefone com a chinesa da “empresa”. Depois de uma ralada, a chinesa trambiqueira aceita fazer como a secretária mandou. Mas nisso, já são 11:30 da manhã, e eles param para o almoço. Temos que voltar às 13:00.

Eu tentando me controlar... vamos para um KFC próximo. Uma saída fácil e garantida já que os restaurantes chineses ao lado das oficinas mecânicas me dão até medo. E olha que eu quase topo qualquer coisa...

Voltamos à tarde. E eles saem com todos os documentos. Impossível não pensar no que podem fazer com tudo isso (minha credencial diplomática, o passaporte francês do comprador, documentos do carro... tudo vale muito mais que meu carro... meda!!!). Mas de verdade, aqui são honestos. Roubam na sua cara, na negociação de preços de tudo, mas não assim sumindo com suas coisas.

Enquanto esperamos o moço voltar com tudo, todos assistem um vídeo chinês no computador. E o homem que parece ser o chefe da “empresa” está na mesa, na frente de todos nós, praticando como falsificar uma assinatura que está em outro papel... HAHAHAHA eu estou me divertindo, mas o francês está bem mais chocado. O moço volta em meia hora, com um papel que já passa o carro do meu nome para o do comprador. Então eu nem vi nenhuma primeira via da nota fiscal. Ou seja, tenho quase certeza que me roubaram os 900 RMB. Fazer o quê?

Um detalhe: estes documentos não aceitam letras do alfabeto romano. Ou seja, todo comprador tem que ter um nome chinês. O carro foi registrado no nome que trás minha credencial que é: ao-luo-va-luo se-dei-ni-ao fu-ren (qualquer semelhança com Álvaro Cedeno não é mera coincidência, e o fu-ren significa madame: madame Álvaro Cedeno). Ou seja, nem era meu nome. Nosso amigo francês tem um nome chinês atrás do cartão de visitas dele. Mas é um nome como o que o Álvaro tem nos cartões dele: 陶虎 TaoHu (Tao de Taoli e Hu de Laohu, que significa tigre). É um nome totalmente inventado e que facilita muito a vida de quem lida com chineses aqui, principalmente se seu nome é difícil para eles. Até mesmo o meu, que em chinês é Taoli (陶莉, notem o mesmo caractere no meu nome e do Álvaro), poderia ser mil outros Taos e mil outros Lis. A combinação é infinita. E meu nome é uma exceção, ter uma fonética que funcione tão bem é muito raro. Mas para a empresa trambiqueira, e para o sistema deles aqui, o nome do amigo no cartão de visitas basta. Assim sendo, registramos o carro no nome chinês dele. E o único “documento” que prova que ele é esta pessoa, é este cartão de visitas dele que de um lado fala seu nome francês e do outro, seu nome chinês criado por ele mesmo. Mais meda...

Com este papel, vamos para o Bureau Local de Impostos. Como era de se esperar, é um lugar bem cara de instituição pública, mas sem filas. Mais cobradores que contribuintes. Hahaha

Pagamos e finalmente vamos ao quarto e último lugar: trocar as placas, tirar minha placa diplomática e colocar a placa azul, normal da China. A ajudante sempre com a gente. Ainda não sei qual o papel dela, fora ter nos levado para a empresa trambiqueira. Mas por R$ 13, não me importo. Pelo menos parece que alguém no carro sabe o que está acontecendo, porque eu não faço a menor idéia...

Chegando no DETRAN chinês, tiram a placa e fazem outra foto do carro para o novo documento. O documento do carro aqui parece carteirinha de clube. Tem uma foto do carro de um lado e, do outro, os dados do carro, do proprietário, etc.

Quando vamos pegar a placa, nos informam que a Autorização de Residência do nosso amigo comprador não tem o carimbo da polícia, só do condomínio onde vive. O papel que ele tinha foi suficiente para que renovassem o visto dele na China, mas não suficiente para comprar um carro. Vai entender... e para melhorar, a única polícia que pode carimbar isso, é a responsável pelo condomínio dele, ou seja, uns 25 kms de onde estamos. São 16hs, e o dia está acabando. O lugar de emplacar o carro fica aberto até as 20hs, mas a polícia fecha cedo.

Dispensamos nossa ajudante e nosso motorista da embaixada já deixou bem claro que ele termina o trabalho dele às 17hs e que hoje já não seria mais possível nos ajudar. Depois de estar um dia inteiro fora do trabalho para fazer isso sem sucesso, o nosso amigo comprador está visivelmente frustrado. Apesar de estarmos agora sozinhos, sem chineses para ajudar, eu falo para ele que acho que deveríamos tentar. Pelo menos conseguir o documento da polícia, mesmo que emplacar fique para outro dia.

A visita do Obama teve seu lado bom neste dia. Acho que pegamos as ruas recém abertas depois da passagem dele, e apesar de ser hora do rush, fizemos o trajeto até a casa dele em tempo recorde. E para melhores, já tinham removido a placa do carro. Estávamos andando com elas no banco de trás. Isso significava que naquele momento, o céu era o limite... ☺ mas Obama nos ajudou e não precisamos fazer nenhuma contravenção... talvez só do limite de velocidade. hahaha

A administração do condomínio dele nos ajuda desenhando um mapa do caminho para a polícia. Pedimos que ligue para confirmar o horário. Eram 17:20 e fechavam as 17:30, mas estávamos muito perto. Do outro lado da linha, a policial falando que já não fava mais tempo, para voltarmos no dia seguinte. E eu chorando do lado de cá para que a administração do condomínio convencesse a mulher.

Enquanto isso, o amigo comprador do carro foi pegar sua bicicleta elétrica. Eles vivem em um hutong, área de casas antigas chinesas, como eram desde a época dos imperadores. As ruas são super pequenas e o trânsito um caos, principalmente nos dias de hoje, onde carros passam e até estacionam pelas mini ruas. E quando dois carros tentam passar ao mesmo tempo, você pode ficar preso vários minutos, até que alguém decida ceder e voltar atrás. Se fossemos de carro, duraríamos muito mais!

Mas neste meio tempo, a polícia não estava querendo ajudar. Eu pedi para falar com eles, e peguei o telefone. Com meu super chinês falei: “por favor amigo, por favor! É muito importante para a gente conseguir este papel hoje... e estamos super perto! Já poderíamos ter chegado se você tivesse falado que sim há 5 minutos atrás... por favor amigo!” Obviamente, a policial do outro lado estava falando “não” para a mulher do condomínio, mas não conseguiu falar “não” para mim! ☺

Com medo que a gente não achasse a ruazinha da delegacia, um dos guardas do condomínio decidiu pegar a bicicleta dele e nos guiar. Montei na garupa da “mobilete” do meu amigo e o guarda foi pedalando rápido para se manter na nossa frente. Um frio do cão! A temperatura mais alta do dia foi 0oC. E neste horário, já estava escuro e MUITO frio...

Chegamos na delegacia e as policiais estavam nos esperando! Fizemos o papel e ainda conseguimos que a policial escrevesse no tal papel, o nome do meu amigo em chinês. Não sabíamos se era necessário, mas só para evitar maiores problemas, já que o novo documento do carro estava no nome chinês dele. Elas estavam tão desesperadas para ir embora que teriam feito qualquer coisa, acho. Hahaha

Voltamos para casa com o papel e com nosso guardinha-guia-de-bicicleta. Estávamos tão felizes! Às 18hs saímos de volta para o DETRAN chinês. Só que cruzar a cidade neste horário, com Obama por perto, podia significar não chegar antes das 20hs. Mas deu tudo certo. Em 40 minutos estávamos de volta ao lugar de emplacar. Às vezes parecia que a sorte estava do nosso lado.

Quando chegamos lá ainda tivemos que ir e vir dentro e fora do prédio, correndo atrás de xérox de vários documentos.... em uma destas paradas para pedir ajuda da recepcionista para preencher um papel todo em chinês, dois chineses nos reconhecem e falam: ah, vocês estavam aqui hoje à tarde, né? Sim, era a gente! Logo eles se oferecem para nos ajudar a ter um número de placa “bom, bonito”. Depois de mais de dois anos aqui, sabemos que nada aqui é de graça. E eles começam a nos seguir. Temos novos ajudantes! ☺

Um pouco depois das 19hs estamos pronto para escolher o número placa do carro. Meu amigo querendo uma placa cheia de 8s, para dar sorte! Mas o sistema é todo automatizado. Assistimos um vídeo sobre como usar o sistema. Ao colocar nosso papel com um código de barras num computador, mil números deveriam ficar rodando na tela até que você aperte: pare! Aí, 10 números param na tela e você tem um minuto para escolher o número final.

Maaaas, como sempre tem que ter um porém, a teoria SEMPRE é diferente da prática, principalmente na China. O vídeo só mostrava uma máquina, e nos deparamos com duas diferentes. E claro, ambos os sistemas não queriam funcionar com a gente. Tem ainda o pequeno detalhe de que o vídeo com instruções de uso está em inglês, mas a máquina só fala chinês. Depois que deu errado a primeira vez, tentamos de novo. Entre cada tentativa, você tem que esperar 285 segundos para conseguir tentar de novo. Os nossos novos “ajudantes voluntários” vinham e falavam: pode tentar de novo. Mas o tempo não tinha passado e a contagem zerava. Logo percebemos que os ajudantes estavam mais para atrapalhantes. E o tempo passando... e a gente sabendo que eles fechavam às 20hs.

Às 19:35 a gente foi pedir peloamordedeus para a policial nos ajudar. Claro que ela estava com aquela atitude de funcionário público que já está pronto para ir para casa no final do dia, e com um escrito na testa: “estrangeiros são mesmo incompetentes”. Ela já tinha dado risada da minha cara porque eu pedi para guardar as placas diplomáticas e o documento do carro de lembrança. HAHAHAHA ela falou: claaaaro que não pode. hehehe

Bom, neste momento, meu amigo falava: “fala para ela escolher a placa. Pode ser cheia de números 4 (o número do azar), não tem problema!” Hahahaha o desespero faz a gente ser bem menos exigente! Tudo o que a gente queria era sair de lá com uma placa e não ter que voltar mais. Só isso! Eu traduzia, mas ela falou: “eu não posso escolher. Tem que ser vocês.”

Depois de perceber que o problema não era nosso, ela pediu desculpas, começou a dar sorrisinhos e imprimiu outro código de barras. Eu pedi para ela me acompanhar até a máquina, já que não tínhamos muito tempo, mas ela mandou o guardinha da porta nos ajudar.

Desta vez funcionou. Os 10 números apareceram. Todos eram LC8***, com os três últimos números variando. Meu amigo já estava feliz de ter um 8 na placa. Tentamos encontrar alguma semelhança entre qualquer coisa na vida dele e os outros três dígitos. Mas não tinha. Tinha um 205 e eu falei: sua casa é número 305. HAHAHA decisão tomada e com critério de escolha impressionante! Foi este mesmo! Só perguntamos se por acaso aquele dia era o rodízio da placa final 5, e por sorte não era. O rodízio aqui não é “fixo”. Então a cada três meses você tem que ver que dia é o rodízio da sua placa.

Pegamos a “placa da sorte” e fomos correndo para um outro lugar no prédio para finalmente emplacar o carro. Entrei na salinha e tinha quatro homens. Mostrei a placa e os parafusos, para que entendessem o que queríamos. Comecei a ver uma discussão sobre a placa LC para carros novos, sobre o carro ser novo ou não... e falei que o carro não era novo, que eu estava vendendo para o meu amigo. Aí de repente os quatro começaram a andar para longe de mim, fingir que estavam muito ocupados e mostrar total desinteresse em me ajudar... e eu não entendendo nada. Persegui um deles e eles todos com cara feia...

Acho que vendo que eu não ia sair de lá, um deles falou: está muito escuro lá fora, não dá para ver onde parafusar. E eu falei: eu coloco embaixo do poste de luz. Estava escuro, mas nada que um chinês (este povo indestrutível, que sobreviveu e sobrevive aos piores invernos, sem roupas apropriadas, que sobreviveu à Revolução Cultural, etc) não possa fazer. Não estava entendendo a reclamação e falta de vontade dele.

Quando estávamos lá fora, ele continuou reclamando. Enquanto parafusava a placa dianteira me conta que eles só emplacam carros novos. Carros usados são emplacados pelo proprietário. HAHAHAHA por isso foi que a atitude dos quatro homens na salinha mudou completamente quando entenderam que era um carro usado. LC é placa de carro usado, mas quando eu entrei pedindo para emplacar, eles assumiram que estava trazendo um carro novo. E me disse: só estamos fazendo isso porque vocês são estrangeiros. E eu disse, com um tom bem cínico: “muito obrigada amigo, mas veja o que aconteceu: eu só emplaquei um carro antes, e foi este mesmo, quando eu comprei. Na época, vocês emplacaram. Como eu poderia saber que não fazem o mesmo para carros usados se ninguém me contou?” Ele logo mudou de assunto e perguntou o preço do meu carro... é o jeito chinês de não perder a cara. Ele estava bravo por uma coisa que não era exatamente minha culpa, pelo menos não era intencional.

Saímos de lá um pouquinho antes das 20hs e meu amigo não acreditava que tinha acabado! Depois de 11 horas, tendo dirigido mais de 200 kms por Beijing, e usando o bom e velho jeitinho em chinês, conseguimos! Mais uma história para o blog...

3 comments:

Anna Julia Werneck said...

HAhahaha.

Unknown said...

Tauli, vc ja imaginou que se as coisas funcionarem bem na Australia, sua vida vai ficar com menos emoçao? Um pouco "aburrida"? Hahaha...

Bia Florence said...

que confusao... e o jeitinho brasileiro parece que ajudou mesmo...